quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Na rota do carro à prova de acidentes

Continental avança na oferta de sistemas de segurança ativa que assumem a direção do veículo e acionam os freios em caso de emergência

Quem já se acostumou com siglas como ABS (de freios com sistema antitravamento de rodas), EBD (distribuição eletrônica de frenagem) e ESP (programa de estabilidade), deve se preparar para acrescentar muitas outras letras ao vocabulário que descreve os equipamentos de segurança ativa dos veículos, como ACC (controle de velocidade adaptativo), EBA (assistência de frenagem de emergência), ESA (direção assistida de emergência) e LDW (alerta de troca de faixa), entre outras...
Essa sopa de letrinhas é controlada por sensores que atendem por ADAS, de Advanced Driver Assistance Sensores, radares e câmeras que monitoram o trânsito e geram informações para que os sistemas tomem decisões autônomas, como reduzir a aceleração, acionar os freios ou até mesmo assumir o controle da direção, em rota para tornar os carros virtualmente à prova de acidentes.


Tudo isso já existe, funciona e tem resultados práticos comprovados. A novidade é que nos próximos anos esses sistemas vão avançar em velocidade de cruzeiro acelerada, não só para modelos caros e sofisticados, mas também em carros compactos mais baratos. “Estamos dedicados a reduzir os custos”, afirma Friedrich Angerbauer, chefe da unidade de negócios também denominada ADAS, de Advanced Driver Assistance Systems, que faz parte da divisão de componentes de chassis e segurança do grupo alemão Continental, que em 1999 equipou os primeiros carros na Europa com seu ACC controlado por um radar veicular.

Desde o início deste século os dispositivos de assistência eletrônica ao motorista se multiplicaram, mas sempre nos modelos de alta gama. A Continental calcula atualmente em € 1 bilhão por ano o mercado de componentes de sistemas de segurança ativa, no qual figura entre os maiores fornecedores mundiais, com três fábricas desses dispositivos na Alemanha e uma em construção no México, além de sete centros de engenharia dedicados ao segmento na Alemanha, Romênia, Estados Unidos e Japão. “Já esperamos por crescimento na demanda nesse mercado de 40% nos próximos cinco anos, pois são equipamentos que estão deixando de ser opcionais para se tornar standard em muitos carros”, projeta Angerbauer.

Com a redução de custos, ele também prevê a globalização dos ADAS, inclusive em países emergentes. No caso do Brasil, o novo regime automotivo prevê incentivos tributários para os fabricantes que agregarem mais conteúdo tecnológico aos veículos produzidos aqui, o que inclui os sistemas de segurança ativa. O governo brasileiro aposta na incorporação desses equipamentos pelos veículos nacionais dentro do alcance da política industrial desenhada para o setor automotivo, que começa em 2013 e vai até 2017.

Vetor de crescimento
Existem no horizonte dois principais vetores de crescimento na demanda por sistemas de segurança na indústria automotiva. O primeiro é que as seguradoras na Europa já reconhecem a eficácia desses sistemas para reduzir o número de acidentes, o que diminui os gastos com indenizações. Por isso algumas companhias já começaram este ano na Europa a conceder descontos que podem chegar a 25% na contratação de apólices para veículos equipados com assistência eletrônica ao motorista.

O outro fator é o aperto da legislação de segurança nos países da União Europeia, Japão e Estados Unidos, onde agências que promovem testes de impacto (crash tests), como a NHTSA e EuroNCAP, passam a considerar a atuação dos sistemas eletrônicos para classificar o grau de segurança de cada veículo.

A Continental considera que, a partir de 2014, tanto NHTSA, nos Estados Unidos, como EuroNCAP, na Europa, vão dar peso crescente à assistência de frenagem de emergência (EBA) e ao alerta de mudança de faixa de rodagem (LDW) para classificar a segurança dos carros. Em 2018 a empresa já prevê que União Europeia e Estados Unidos obrigarão por lei todos os fabricantes a instalar EBA e LDW nos veículos novos.

Existem dados do mundo real que apoiam essa tendência da legislação de segurança veicular. A BASt, agência federal da Alemanha de pesquisas de trânsito, avaliou em recente estudo que 70% de todos os acidentes graves poderiam ser evitados com o uso de sistemas inteligentes de assistência ao motorista, os ADAS. “Sabemos que 90% de todos os acidentes têm alguma participação direta do motorista. Portanto, os ADAS têm grande potencial para ajudar a reduzir os acidentes de trânsito”, afirma Mathew Avery, chefe de pesquisa da Thatcham Research, agência independente de testes que fornece dados para companhias de seguro do Reino Unido. Avery cita o exemplo do já consagrado sistema eletrônico de estabilidade, conhecido como ESP ou ESC, que segundo dados da Thatcham na Inglaterra reduz em 25% o risco de uma colisão grave ou fatal e em 15% os pedidos de indenizações por danos materiais.

O pesquisador avalia que os demais equipamentos ADAS mostram potencial equivalente de redução de riscos. A Thatcham acompanhou os pedidos de indenização de seguro do Volvo XC60, equipado com sensor infravermelho que detecta obstáculos a curta distância do carro e aciona os freios automaticamente em caso de emergência. O sistema evita colisões em velocidades de até 50 km/h e mitiga seus efeitos a até 70 km/h.

Em comparação com outros modelos similares, o XC60 pagou 27% menos indenizações por prejuízos materiais a terceiros, 22% menos para cobrir estragos ao próprio automóvel e 51% menos por danos físicos. “É a primeira vez que temos evidências que a assistência de frenagem de emergência reduz acidentes na vida real”, pontua Avery. As estatísticas da EuroNCAP sugerem que um carro certificado com cinco estrelas reduz em 79% o risco de mortes aos seus ocupantes em caso de acidente, quando comparado com um veículo duas estrelas.

A partir de 2017, 51% de toda a pontuação dos testes da agência poderá ser obtida com o uso da assistência eletrônica ao motorista, incluindo frenagem de emergência (EBA), controle de velocidade (ACC) e alerta de mudança de faixa (LDW). Para Avery, esse cenário torna esses sistemas praticamente obrigatórios, pois nenhum fabricante da Europa quer ficar mal avaliado nos testes. “Os fabricantes pedem mais segurança porque sabem que isso valoriza seus carros”, lembra. “À medida que os sistemas de segurança ativa se tornam uma estratégia para as montadoras, a evolução sai da escala horizontal para a vertical”, destacou Markus Schneider, chefe de pesquisa e desenvolvimento do centro de engenharia de segurança da Continental, ao traçar o cenário da assistência avançada ao motorista até 2025.

A empresa reuniu na Alemanha jornalistas de vários países para demonstrar os ADAS – o que comprova a tendência de barateamento e globalização desses sistemas.

Lidar, câmeras e radar
Entre as rotas tecnológicas que levam à configuração dos sistemas de assistência inteligente ao motorista, o ponto mais sensível está na escolha dos sensores que reconhecem riscos para acionar freios ou atuar sobre a direção e aceleração do veículo. Pela ordem de custo e eficiência, as opções começam pelo “lidar”, sensor infravermelho de curto alcance, e prosseguem para mocâmera, câmera dupla (ou estéreo) e radares de longo e curto alcances.

É possível e desejável usar mais de um dispositivo, para aumentar a acurácia do sistema. Os aparelhos são pequenos e normalmente instalados no alto do para-brisa, atrás do retrovisor interno do carro – uma solução que protege contra danos em possíveis colisões frontais. Os sinais captados são transmitidos a uma central eletrônica que processa os dados e toma as decisões de emergência.

A solução mais simples e barata é o lidar, que apenas detecta objetos grandes que refletem o sinal cerca de 10 a 15 metros à frente (como a traseira de outros carros). O sistema funciona nas baixas velocidades do trânsito urbano: até 25 km/h ativa a frenagem de emergência e evita a colisões, e até 40 km/h mitiga os efeitos do acidente, segundo demonstraram os testes da Continental.

A sensibilidade do sistema sobe com o uso conjunto do lidar com uma monocâmera, capaz de monitorar o ambiente 35 metros adiante com ângulo de visão de 3 a 4 metros de cada lado do veículo, reconhecendo sinais de trânsito, carros, pedestres, obstáculos e a própria pista, para alertar sobre limites de velocidade, tráfego contrário, mudança de faixa e possível colisão à frente. O sistema trabalha como olhos eletrônicos e pode atuar sobre os freios e a direção, impedindo que o motorista saia da estrada ou atropele alguém em um momento de distração.

O lidar com monocâmera ativa a frenagem de emergência e evita uma colisão a até 50 km/h, ou diminui seus danos a até 72 km/h. A eficácia aumenta bastante com uso da câmera dupla, ou estéreo, com o mesmo alcance de 35 metros, mas ângulo de visão bem maior, cerca de 10 metros de cada lado do veículo, o que oferece cálculo preciso de distâncias entre o carro e seus “alvos”. A câmera estéreo mapeia toda a área livre em volta do carro. Pedestres e faixas de travessia também são reconhecidos. Caso não haja tempo de frear, o sistema pode tomar a decisão autônoma de desviar do obstáculo, acionando a ESA (direção assistida de emergência), que calcula o ângulo exato a ser tomado sem perda de estabilidade do carro.

Direção Assistida de Emergência

O sensor mais caro (e também o mais eficiente) é o radar, indicado especialmente para trajetos em estradas. O dispositivo de longo alcance monitora o ambiente onde a vista não chega, até 200 metros adiante, em um ângulo de 9 graus, detectando formas e deslocamentos. Com isso, pode regular a velocidade segura para o automóvel da frente (ACC) e calcular exatamente a intensidade necessária da frenagem de emergência (EBA) com bastante antecedência.

O instrumento pode ser combinado com radares de curto alcance, que fazem o rastreamento de 1 a 60 metros à frente, com ângulo de 28 graus, e podem ser instalados na traseira e laterais, para ajudar na mudança de faixa e alertar sobre a presença de veículos no ponto cego do retrovisor. Desde 2010 a Continental fornece para a BMW a terceira geração de seu radar veicular, usado nos modelos topo de linha da Série 7, mas projeta que a próxima geração do dispositivo, a ser lançada em breve, deverá custar de três a quatro vezes menos, podendo ser usada por carros de custo menor. Com isso, no horizonte de uma década à frente, a tendência é de barateamento e combinação de todos os sistemas de monitoramento, cercando o veículo com 360 graus de vigilância eletrônica.

Comunicação Exterior
Os sistemas avançados de monitoramento do veículo também podem se comunicar com outros carros e a infraestrutura de trânsito. Por exemplo, um automóvel pode transmitir a outro que vem atrás que a pista está escorregadia, ou um farol depois da curva pode avisar que está vermelho, ou uma ambulância alerta que vai cruzar o caminho logo à frente.

Ao receber essas informações, a central eletrônica de segurança pode emitir alertas ao motorista ou até mesmo desacelerar o carro automaticamente. Esse conceito está muito próximo de virar realidade na Alemanha. Há quatro anos o projeto SIM (sigla em inglês para Mobilidade Inteligente Segura) está sendo desenvolvido em Frankfurt por um consórcio de empresas e o governo alemão, que financia a pesquisa. Bosch e Continental desenvolvem os diversos sistemas veiculares junto com seis montadoras (Audi, BMW, Daimler, GM Opel, Ford e Volkswagen).

A prefeitura de Frankfurt e o Estado de Hessen instalaram na área de testes antenas que integraram os carros ao sistema central de monitoramento de tráfego. Ao todo, 120 veículos rodam 50 mil quilômetros por semana transmitindo e recebendo dados sobre trânsito e condições das vias. Os testes na região de Frankfurt devem estar concluídos até junho de 2013 e o SIM poderá entrar na vida real de carros e motoristas.

Quando 80% dos veículos da frota estiverem integrados ao sistema, o governo alemão estima que existe potencial para reduzir em um terço os acidentes de trânsito e diminuir os congestionamentos. Isso porque será possível saber em tempo real sobre densidade de tráfego, possíveis bloqueios, condições climáticas e estado das vias. Isso servirá para fazer ajustes on-line nos tempos de faróis, sinais de trânsito e avisar os motoristas sobre desvios de rotas ou alterações nos limites de velocidade.

Automotive Business conferiu como funcionam na prática cada uma dessas tecnologias, algumas ainda em fase de desenvolvimento, nos campos de provas da Continental em Frankfurt e Alzenau. A constatação é que a rota para o carro a prova de acidentes já está traçada. A questão agora é de tempo, escala e preço.


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