Em vigor há três anos e quatro meses, a Lei Seca ainda não foi capaz de reduzir substancialmente o número de mortes em acidentes de trânsito no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em junho de 2010 --o último balanço oficial da pasta--, o número mortes caiu 6,2%.
Nos 12 meses anteriores à entrada em vigor da lei, de julho de 2007 a junho de 2008, o número de mortes chegou a 37.161 no país. Já nos 12 meses seguintes, de julho de 2008 a junho de 2009, o total foi de 34.859. Isso significa que, em todo o país, foram registradas 2.302 mortes a menos após a implementação da lei.
Diariamente surgem casos de motoristas pegos dirigindo alcoolizados que se recusam a soprar o bafômetro. Quase todas as semanas há registros de acidentes com vítimas provocados por motoristas que guiavam após beberem.
Na maioria dos casos, os motoristas alcoolizados se negam a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue e, dessa maneira, só recebem a punição administrativa, já que não há provas de que estavam dirigindo bêbados.Em São Paulo, dados da Polícia Militar apontam que os motoristas da capital paulista estão bebendo em quantidade cada vez maior antes de dirigir.
Pela lei, se a quantidade de álcool no sangue for de 0,11 até 0,33 mg por litro de ar expelido, o motorista não responde criminalmente, embora seja multado em R$ 957,70, perca o direito de dirigir por 12 meses e tenha a carteira de habilitação retida. Se a taxa se álcool for superior a 0,34 mg/l, ele responde por crime de trânsito e pode ser condenado de seis meses a três anos de prisão.
Especialistas entrevistados pelo UOL Notícias defendem uma mudança no texto da lei, de modo que não seja mais necessário medir o nível alcoólico do motorista para caracterizar crime de trânsito. Na opinião deles, bastaria a avaliação de um médico, atestando que o motorista estava alcoolizado, para puni-lo administrativamente.
Veja abaixo a opinião dos três especialistas sobre a Lei Seca:
Os entrevistados
Fernando Moreira Diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego | Luiz Flávio Gomes Advogado e professor de Direito Penal e Processual Penal | Maurício Januzzi Presidente da comissão de trânsito da OAB-SP |
Quais são os problemas da Lei Seca?
Fernando Moreira | Faço um balanço positivo da lei, que ajuda a prevenir acidente de trânsito. Há, contudo, setores que precisam melhorar sua atuação, como, por exemplo, o Judiciário, que poderia ser mais rápido e comprometido com a lei. Outro ponto importante é a fiscalização: são poucos os Estados que fiscalizam adequadamente. Há de se fiscalizar de maneira efetiva. |
Luiz Flávio Gomes | O pior problema é o texto da própria lei, que exige a medição da dosagem alcoólica. Essa exigência gera impunidade, já que o motorista se recusa a fazer o bafômetro e, dessa maneira, não há como provar que ele dirigia bêbado. Mesmo que o médico faça o exame clínico, não há como quantificar, e, como não quantifica, não há prova, e os juízes absolvem o acusado. Outro ponto importante é a falta de fiscalização: em 2008, após o advento da lei, havia muita fiscalização, mas logo depois parou. Em alguns lugares o número de mortes aumentou assustadoramente, principalmente no Norte e Nordeste. |
Maurício Januzzi | A lei impede qualquer pessoa de ser punida criminalmente. O Brasil é signatário do pacto de São José da Costa Rica, que impede que se crie provas contra si próprio. Isso desobriga o motorista de fazer o teste do bafômetro e impede que qualquer pessoa seja presa. A Lei Seca é inócua. Ou essa lei é alterada ou será mais uma lei em desuso no país. |
O que precisa ser mudado?
Fernando Moreira | É preciso retirar a necessidade de dosagem, ou seja, o juiz pode condenar alguém mesmo se não tiver a medição do álcool. Após ser parado, o cidadão seria submetido a um exame médico: se tiver alcoolizado, o médico constata na hora. Não precisa fazer o bafômetro. |
Luiz Flávio Gomes | O texto da lei tem que ser alterado. A primeira coisa a se fazer é corrigir o texto e não exigir mais a dosagem alcoólica. |
Maurício Januzzi | O exame de alcoolemia deve ser clínico, que independe da vontade do motorista. Também é preciso aumentar a pena para homicídio culposo com negligência, que hoje é de dois a quatro anos. Ninguém vai preso no Brasil em uma condenação como essa. Se for condenada, a pessoa já vai para o regime aberto. |
A lei está tendo a eficácia prevista?
Fernando Moreira | Onde se fiscaliza, sim. No Rio houve queda de acidentes. No âmbito administrativo a lei funciona também. Mas são poucos os casos de condenação judicial. |
Luiz Flávio Gomes | Esperava-se mais. Existia uma expectativa muito grande. De início, mudou o comportamento de muita gente, porém isso durou pouco, as pessoas foram percebendo que não seriam punidas. Na cultura do brasileiro, se não existe punição, se não há pena, ele continua sendo irresponsável. |
Maurício Januzzi | Quando o grande público tomou conhecimento, em 2008, foi eficaz. Hoje as pessoas sabem que a lei não funciona, que não precisa fazer o teste do bafômetro. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário